7 termos do inglês jurídico que não significam o que parecem

Neste breve post, tratarei de alguns falsos amigos do legalese (juridiquês Common Law) que muita gente entende, traduz e interpreta errado.

  1. Appeal = apelação

    Parece, mas não é apelação. Utilizamos o termo apelação nas esferas penal e cível do Direito brasileiro. Contudo, a apelação é apenas um dos (diversos) recursos que podem ser interpostos (palavra bonita!). Em nosso sistema, temos ainda um bocado de outros recursos. Segue a lista (avisem se eu tiver esquecido algum!):

    a. Cível: Apelação, Agravo de Instrumento, Agravo Interno, Embargos de Declaração, Recurso ordinário, Recurso especial, Recurso Extraordinário, Agravo em Recurso Especial ou Extraordinário e Embargos de Divergência. (art. 994 do CPC).

    b. Penal: Apelação, Embargos de Declaração, Carta Testemunhável, Agravos, Embargos Infringentes, Protesto por Novo Júri, Correição Parcial, Recurso Ordinário-Constitucional, Recurso Extraordinário (Famoso REXT) e Eecurso Especial (Querido RESP).

    c. Trabalhista: Embargos de Divergência, Recurso Extraordinário, Agravo de Instrumento em Recurso Extraordinário, Agravo Regimental, Agravo de Petição, Pedido de Revisão do Valor da Causa Recurso Adesivo. Não temos apelação.

    Sim. A apelação existe em ambas as esferas. Contudo, ao interpretar assim para um especialista em direito, cria-se a ilusão de que o instituto é análogo nos dois países, o que não é. Assim, a tradução correta de appeal é recurso porque é o que temos de mais geral no nosso Direito. E o verbo mais adequado foférrimo é interpor.

    Via de regra, agravos de todo tipo são interlocutory appeals, porque não visam a discutir o mérito da lide. Não temos equivalente exato para cada um deles no Common Law.

  2. Interview = entrevista

    Na esfera penal do Direito britânico, interview não significa entrevista. Em se tratando da interação entre o acusado ou suspeito e a polícia, interview é o interrogatório policial. Num contexto que envolva testemunhas ou a vítima, traduz-se por depoimento (embora normalmente nesses casos se use statement/give a statement).

    Porque não dizer interrogatory?

    A polícia britânica tem uma premissa do policing by consent (policiamento sob consentimento), que é um conceito que tem por primazia uma abordagem não-impositiva da polícia. Assim, na abordagem de suspeitos, procura-se utilizar uma linguagem que não passe uma ideia inquisitória e potencialmente agressiva.

    Mesmo nos tribunais britânicos, não usamos interrogatory ou interrogate para a inquirição de testemunhas ou interrogatório de acusados.

  3. Sentence = sentença

    Este está correto, mas num contexto específico. Só se usa o termo sentence para representar a sentença penal. Para outras esferas, usamos termos como ruling/to rule, judgment/pass or issue a judment, to issue a court decision.

  4. Motion = moção

    No Direito brasileiro, moção tem relação com atos políticos. De acordo com o sagradíssimo Vade Mecum:

    “Moção é uma proposta apresentada a uma assembleia parlamentar, ou deliberativa, por um dos seus membros, para que ela se manifeste sobre determinada questão, ou incidente ali verificado, ou a respeito de ato, de interesse comum, que exprime o seu pensamento ou vontade: moção de apoio, de solidariedade, de desconfiança etc.”

    No Direito americano é comum usar o termo motion sem ser em referência ao Poder Legislativo. Nesses casos, não traduza motion por moção. No âmbito da lide processual é necessário procurar a terminologia correta, que muitas vezes pode ter um equivalente bem próximo que não se assemelha em nada ao inglês. Contudo, via de regra, motion quer dizer pedido. Assim, temos, por exemplo, motion to dismiss que é o pedido de inépcia/indeferimento da inicial e motion for clarification, que são nossos embargos de declaração, i.e., um pedido para que o juiz esclareça o que quis dizer.

5. Application = aplicação

No Direito britânico, não usamos o termo motion. Ao invés, diz-se application, o que engloba qualquer pedido a ser feito ao tribunal no decurso processual, salvo aqueles já apresentados no momento da atermação/juntada de petição inicial.

Application não pode ser traduzido como aplicação. Aplicar para em português está errado inclusive em outros contextos. Em se tratando de formulários, a application é o formulário que contém um pedido. Em se tratando de pedidos a ser feitos ao tribunal, application é o pedido em si que se está fazendo. Mas atenção: Se o pedido for aquele contido na inicial, a tradução correta é claim. Inclusive, a peça processual que dá início ao processo também se chama claim (palavrinha que dá pano pra manga!).

O verbo para application é apply e, mais uma vez, no Direito, quer dizer pedir, pleitear.

7. Court directions = direções da corte

Não traduza court direction como direções da corte. Fica péssimo falar assim e não faz sentido nenhum em português.

Quando um juiz britânico menciona court directions o que ele quer dizer é o que ele quer que seja feito. Uma court direction seria algo mais próximo de um despacho. O CPC define como despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte. Assim, ao despachar, a intenção não é dirimir por completo a lide, e sim determinar medidas necessárias para o processo tramitar. É exatamente isso que a court direction tem a intenção de fazer. São obrigações e incumbências para as partes.

Duas curiosidades:

  • No Reino Unido, em juízos mais informais como família e trabalho, os advogados das partes redigem após cada audiência um documento oficial onde constarão as court directions e, uma vez que as partes concordem, ele é homologado pelo juiz. Diz-se com frequência em audiências que as court directions constarão on the face of the order. Normalmente quem mais faz pedidos numa audiência é que acaba ficando incumbido.

  • O juiz comumente não diz que ele/ela ordena algo, mas que a vara/tribunal/corte/juizado o faz.

E ah, se não quiser soar como leigo, saiba quando usar o termo corte: normalmente ele se aplica a instâncias superiores(e.g. STJ e STF) ou a tribunais internacionais, ou ainda em referência ao prédio físico de um tribunal como uma forma de reverenciá-lo. Para instâncias inferiores e juizados, use termos como vara, juízo, juizado, etc. Eu gosto bastante do termo juízo porque é bem geral.

Espero que a dica tenha sido útil!


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